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terça-feira, 29 de julho de 2014

Pessoas Especiais

Para mim, a  coisa mais fácil do mundo sempre foi  distinguir instantaneamente uma pessoa especial de uma pessoa banal. Nunca ninguém mo disse directamente, mas sei porque o sinto: distingo-as como a água do azeite. 
As pessoas especiais são aquelas que vemos no meio da multidão sem que se pronunciem. Limitam-se a estar lá. São as pessoas a quem o diálogo é prescindido, uma troca de olhares chega. As pessoas especiais, tenho a sorte de conhecer algumas, não julgam, ajudam. Não reprovam, remendam. E quando nos pedem uma mão, oferecem-nos imediatamente o resto do corpo. As tais pessoas especiais de quem falo, não são excecionalmente bonitas, inteligentes ou bem-sucedidas. No entanto, possuem um encanto quase mitológico: a qualidade, hoje descurada, da tradicional autenticidade. Sem horas, folgas, nem modas, vestem sempre o mesmo. Estas são as pessoas, que nos oferecem um sorriso jovem, e momentos que não cabem em poemas. As mesmas que nos mimam numa constipação ou numa ressaca, só para que no dia seguinte nos paguem mais uma rodada, e nos façam sentir donos do universo. As pessoas especiais não se vão com o tempo nem com a morte. Fazem-nos ser mais do que nós mesmos, em bem de algo maior, de algo melhor. Algo que muitos já esqueceram a meio do percurso. 
No entanto, não permitam por lapso da ingenuidade, ou saudade, confundirem estas pessoas com aquelas que vou tatuaram. Essas pessoas não são especiais, foram marcantes. Marcaram-nos no passado e no passado sepultadas estão. Falo daquelas pessoas que um dia nos amarraram a elas, não com cordas mas com palavras. Que nos fizeram rir , mas sobretudo que fingiram acompanhar-nos na luta. Falo das pessoas que um dia foram nossas confidentes, as que receberam os nossos gestos, e das quais hoje guardamos significativas e bonitas memórias. Enfim, a verdade é só uma: os momentos inesquecíveis que partilhámos não são suficientes para lhes conceder o epíteto de “especial”. Até porque, de entre todas as coisas que distinguem uma pessoa especial, da banal e da marcante, a mais notória é o brilho que emanam. 
Pessoas especiais esperam-nos no fundo do túnel, e não desistem de abanar o braço, até que as alcancemos. Escrevem-nos cartas, e-mails, fazem sinais de fumo se assim for necessário. Não descriminam, não desistem. Desdobram-se em duas e descobrem como descortinar quem somos quando ninguém está a ver: no sofá em frente à t.v,  de pijama e descalços de pantufas e de fé. A luz de que falo não nos cega, mas ilumina-nos, elucida-nos , até enxergarmos aquilo que quem ama incondicionalmente vê.

Estas pessoas não são vulgares, são vulcânicas. Aquecem-nos por dentro, e depois levam-nos para dançar. Sim, gosto de pessoas especiais pela sua raridade, mas sobretudo porque me fascinam: a humildade é escassa num mundo onde abundam abutres. E as pessoas especiais acham-se tão pequenas… Mal sabendo elas o quanto são infinitas! 
São poucas as pessoas especiais que conheço, mas sem intrujice ou falsa ilusão , posso dizer de coração cheio que sou uma sortuda por guardá-las tão bem, e sentir-me guardada. 


sexta-feira, 23 de maio de 2014

Fruto do furto



"Podes roubar-me os saltos,
A cor do cabelo,
O eyeliner tremido
 E a ironia.
Podes roubar-me as piadas neuróticas
 E o narcisismo.
Podes roubar-me os grandes escritores europeus
E as músicas tristes.
Podes roubar-me os cadernos com as frases preferidas
Podes roubar-me o gosto pelo absinto
E pela noz no gelado.
Podes roubar-me as luzes da festa
E as alergias da primavera.
Podes roubar-me os sigilos
 E a afeição pelos amigos
Podes roubar-me os namorados,
 E com sorte, os pretendentes
Podes roubar-me os prazeres
Podes  viver os meus tormentos.
Podes mesmo,
Defraudar os meus sonhos.  
Podes roubar-me o carinho pelas cidades
E a fantasia pelos grandes cargos
Podes roubar-me a timidez
 E o retiro consentido.
Podes roubar-me o sorriso
E filiar-te  no meu partido.


Podes extorquir ao máximo,
Tudo aquilo que vês em mim.
Podes subtrair tudo.
Mas nunca,
Nem por um suspiro de segundo,
Te aproximarás do que eu sou.


Porque o que se sente,
Não se aprende,
 Não se ensina,
Não se imita
E não se rouba."




Lili.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Ainda há quem viva de amor.



"De mim , dou-te tudo, como sabes. 
Dou-te o mundo e o infinito, de forma a que aquando a morte te levar a passear- e eu não tiver dinheiro para o avião ou para a carreira- te lembres sempre de mim. A mulher que te deu tudo. Todo o amor que há em mim é teu, porque és tu o amor que há dentro de mim. Nem mais nem menos. 
Vivo para ti, e confesso-o porque o tempo hoje não nos ouve. Vivo de ti meu amor,  mais do que vivo de mim mesma. Que por mais encantos que encontre em mim, nenhum deles tem a grandiosidade de ser tão livre como leve, e por isso mesmo, tão assustador e cativante. Vivo de ti porque nunca viverás para mim, porque não sabes amar, e por isso mesmo, já não tenho medo de o dizer: confio em ti. Foram as palavras mais importantes que te proferi. Sabes que confiar no meu dicionário cardíaco, significa muito mais que amar. Amar todos amam. Confiar só os que podem.
 Eu nunca pude. Aliás, nem sei se ainda o posso. Mas sei uma coisa: sou tão grande que não caibo neste corpo,  e ao transbordar, dou aos outros as coisas que sobram dentro de mim. A ti dou-te a confiança de olhos fechados, num amor tão verdadeiro, como eterno. Que quando eu não ouvir os choros de dor e saudades, o fechar da madeira, e a terra atirada para cima ,como sinal de que o meu tempo já finou, não te esqueças: dei-te tudo, fui tudo. 
Amei-te todos os segundos em que me dei, em todos os que te ignorei, e em todos os que te odiei e jurei que nunca mais  iria amar. Amei-te mesmo quando desisti de ti. De mim. Amei-te ainda mais, quando descobri que existiam partes de ti que preferia nunca ter descoberto. 
Mas o amor é isso mesmo: acarinhar a podridão do outro, pentear os pelos do monstro escondido cá dentro, e lutar a seu lado, mesmo na mais negra das noites. Sem nunca deixar de dar as mãos. Amar é isto. Ser-se um. É não permitir que nenhuma frivolidade do ego abra frinchas de dúvida entre nós. Sabes que sou demasiado grande para o mundo, demasiado pequena para viver. Mas juntos somos invencíveis. 
Por isso dou-te tudo. Como sabes."


Lili,

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Nada me falta

O Sol traz ao de cima o melhor das pessoas. A mim trouxe-me ,de longe, a inspiração. 
Um pequenino poema que segreda : não saber conjugar o verbo ajustar não é o suficiente para nos apagar. 

"Falta-me o vestido da moda, o brilho no batom, o bronze na pele
 Falta-me o perfume francês e o cabelo de Rapunzel
 Falta-me a magreza 
Falta-me a delicadeza
 Falta-me o copo na mão, o riso fácil, a destreza no jogo social
 Falta-me acordar , esfregar os olhos e pensar "sou tão especial"
 Falta-me a paciência e a sorte.
Falta-me um jaguar como transporte.
 Falta-me uma mansão de 3 andares e o sorriso obstinado.
 Falta-me a fragilidade feminina e o sórdido à-vontade.
Falta-me o gosto pelo ordinário
Falta-me esquecer o meu horário
Faltam-me a leviandade, a tontice, a lepra da popularidade
Falta-me investir no swag, deitar fora a autenticidade
Falta-me a resignação e a vontade de impressionar
Ainda me falta tanto para me encaixar. Falta-me saber enfeitiçar.
Talvez nunca me encaixe.Talvez não queira.
Talvez seja o que tenho de melhor: não me embalar, não me incomodar.
Falta-me tanto...
Faço da minha palidez , a luz do luar
Faço do meu coração o sítio para descansar.
Faço um laço que prende, mas que não agarra
Faço paz ,com um lápis, amor com a guitarra
Faço das palavras o meu encanto
Faço do silêncio o meu santo
Faço dos medos, tendências de estação, da brutalidade, faço atracão.
Da ingenuidade uma estranha moldura
Da pureza, companhia na sepultura
Dos erros, campos de encontro, de lírios
Dos poetas, os meus melhores amigos
Da minha companhia, a derradeira voluptuosidade
Das malas e viagens, o olhar da minha idade
Faço da solidão, banda sonora
Faço do meu peito, caixa de pandora
Eu faço…
Nada me falta."





terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O Azar do Alzheimer

O escritor Markus Zusaks mostra como a morte se sente assombrada por os humanos. No entanto esta assombrou os homens durante séculos chegando a consagrar-se tabu. Hoje, o gelo da palavra morte materializou-se no da palavra doença ,encontrando-se demasiadas vezes, viúva da palavra cura.
 A palavra doença é uma palavra amaldiçoada, nómada, que não dá paz a quem a ouve, a quem a sente. Esta palavra consegue sem descriminar, ferir o coração não só do doente, mas de todos os que o envolvem. Existe por aí, no meio de nós, uma das doenças que mais me assustam, e que mais afectam a população mundial: O maldito Alzheimer, que só em Portugal trai e trama, 90 000 pessoas. Com um nome pomposo do primeiro psiquiatra a descobri-la, esta é a doença, que entre tantas outras, me assusta de morte. (Quem sabe, não assusta a própria morte!)
 Acredito profundamente que perder um membro do corpo é traumático para uma pessoa, que sentir o nosso corpo a deteriorar-se em obséquio de uma doença é penoso. Mas se existe algo pior do que isso, é com certeza a perda do que somos. Quem somos, quem fomos, de onde vimos, do que gostamos, de quem gostamos, e porquê.Por mais voltas que dê à cabeça, não me consigo lembrar de uma dor tão esmagadora quanto esta. É o arrastar decadente de uma perda de capacidades, que se vive de dia para dia, pela pessoa… E por todos os que a rodeiam. 
Creio que ainda não vi nada mais triste no mundo, do que um filho travar o choro enquanto acarinha a mãe, porque esta não o reconhece. Uma senhora de quase 90 anos, recusar-se a jantar porque está à espera do falecido marido e da falecida mãe. 
Se nos imaginarmos daqui a uns anos na pele desta pessoa , o terror da situação abocanha-nos, até o medo se entranhar por todos os nossos ossos. Mas se ser o doente é aterrador, até que ponto , amar alguém doente não o é , de igual forma? Como cuidar de alguém, que amamos mais do que a própria vida, quando essa pessoa não sabe quem somos? O que fazer quando estes vivem no passado, e acreditam com toda a certeza, que vivem num mundo que já não existe?
O cancro, a doença da moda, tem ceifado impiedosamente ao longo  dos anos, alguém que me é muito querido. É uma doença asquerosa. Contamina um órgão ou mais. Contamina a pessoa, os amigos, a família. No entanto, existe sempre a esperança. A luta! A fé nos casos que podem ser contrariados, e que muitas vezes,  acabam por sê-lo. O cancro é horrível. É uma palavra sebosa,que sempre me provocou um enjoo de nervos. Ainda assim, não se compara nem por um segundo ao Alzheimer.
Alzheimer é a doença em que se vende a alma ao diabo, e não se ganha nada em troca.
Existe quem  justifique o sentido e o valor da vida sem a perspectiva individual de cada um?
Viver é sinónimo de respirar, ou de pensar e sentir? Não será exactamente essa capacidade, a de subjectivar a realidade, o que nos distingue uns dos outros e nos permite ser únicos? Estarei realmente viva, quando me esquecer quem amei?  Por onde viajei? O que aprendi?
Cabe-nos a nós, seres que se distinguem pelo privilégio da capacidade de criar e de amar, não baixar os braços nesta guerra. A todos os que lutam contra esta doença  nas suas próprias casas,  pesquisem na Internet, frequentem workshops e formações, assistam a conferências sobre o tema, façam o que puderem para se adaptar a esta realidade, cuidando e acarinhando do doente,  da melhor forma possível.  Aos responsáveis pelos lares, centros de dia e de repouso, e qualquer outra instituição que abrigue doentes de Alzheimer, invistam, por favor, em profissionais que trabalhem a estimulação cognitiva, física e social dos doentes e não apenas em médicos, enfermeiros e psicólogos. (que não deixam de desempenhar um papel fundamental). 

Assim sendo, aqui deixo o link do site da Associação Portuguesa de Familiares e Amigos dos Doentes com Alzheimer, que desempenha um papel importante na sensibilização para a doença, nomeadamente na urgência da realização dos pré-diagnósticos, no desenvolvimento de ações de formação para os cuidadores dos doentes, etc:  http://alzheimerportugal.org/pt/inicio 
Para quem quiser ajudar, tornando-se sócio, ou oferecendo um donativo, um grande obrigada da minha parte, e creio eu, de todas as pessoas que diretamente, ou indiretamente já sofreram, ou estão a sofrer com este mal. Não desistam!


Beijinho,



Lili.