Tipicamente portuguesa , é a palavra que nos embala,
que nos faz viajar, que nos traz o lamento. E não há remédio, sopa ou cigarro, que a tranquilize dentro de nós.
A saudade enrodilha-nos numa manta tricotada pelo
tempo que vivemos, e que gozámos ontem, anteontem, à muito tempo. Já nem
sei contá-lo... A saudade faz viver, faz reviver, faz noticiar, esperar. Cria
expectativas que a realidade não permite superar. Cria momentos singulares na
nossa vida, soberanos aos verdadeiros acontecimentos. Faz arder o estômago, carrega consigo o traiçoeiro desejo de poder voltar. Rouba sorrisos
imprecisos, de quem sente algo, que ninguém pode roubar. Perspectiva a natureza das coisas, valoriza o que foi perdido e transforma a
sujidade em beleza. A verdade é que não há um só momento que supere a excelência
de uma memória.
A memória é uma raposa. Fugaz, traiçoeira. Chega pela noite, e
quase sem se dar por ela, deixa-nos um rasto de pedaços do passado. Foge meticulosamente
roubando-nos a razão que ainda nos sobra. Cria-se então, um ciclo infinito de
ardores. Primeiro a dor, sólida e solene, pilar do que somos. De seguida, e
muito rapidamente, chega a saudade. Arranha-nos por dentro, impossibilitando que a
leveza da memória nos permita soltá-la. Da saudade à nostalgia vai o dedilhar
de um fado. E quando se sente o ultimo acorde, o último suspiro, rebenta a
melancolia. A robusta melhor amiga da incomensurável insatisfação. Chorar o
perdido pode ser satisfatório para quem não urge possuir muito. Mas, para os
vestidos de insatisfação crónica, quase inata, chorar as dores não é suficiente.
Chora-se assim as possibilidades, os números, as paisagens e os sorrisos.
Choram-se os abraços e os beijos, as despedidas e as mentiras que nunca
chegaram a acontecer. Choram-se as promessas que nunca foram ditas, os sonhos
que não chegaram a ser segredados. Chora-se a “ultima conversa”, que não houve,
o “ultimo adeus” ,que não existiu.
Sim, quem um dia quis, sofreu.
A saudade e a tristeza são irmãs separadas à
nascença.. Existe, irremediavelmente, um conjunto de cheiros, músicas, sorrisos, que nos
fazem viver além tempo. Aquele espécie tão pessoal de humor, aquele afecto,
aquela protecção, o particularismo de determinada forma de estar. A forma como
cada pessoa nos cativa, prende e guarda não se perde. No entanto, troca-se a pessoa pela tristeza.
Dentro do que somos, creio eu, existe um
espaço enorme de saudade, criado para ser apreciado na posterioridade do instante.
É engraçado como este espaço nunca está lotado. Existe sempre um espaço para
mais uma memória, ou duas, ou três. Mas só Deus sabe o bem e o mal que nos faz
espreitar aquele recanto de nós, deixando, só por mais uma vez, arder o fogo, que
o tempo um dia roubou.
Despeço-me, com um dos sábios fragmentos da obra com
que Pablo Neruda um dia nos brindou:
“Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...
Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos magoa,
é não ver o futuro que nos convida...
Saudade é sentir que existe o que não existe mais...”
Beijinho,
Lili.
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