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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

O Tempo é agora


Há dias em que nos embrulhamos na manta das lamentações, em que troveja do lado esquerdo do peito e sentimos saudades dos tempos em que a tarefa mais difícil era escolher entre o gelado de morango e o de baunilha.
São as contas para pagar, é o vizinho chato, é o trabalho que não é exatamente o que sonhámos, é aquele amor que era para sempre e acabou, é a vida que vai andando assim assim.
E a vida passa, o tempo passa e nunca mais chega o (nosso) Tempo. O Tempo em que finalmente tudo se ajeita e acontece de forma perfeitamente sobreponível ao que um dia planeámos.
Há dias em que queremos ser maiores que a pequenez de que somos feitos. Exaspera-nos a espera, falta-nos a (c)alma e o mundo gira num compasso acelerado, indiferente ao frenesim de quem tenta alinhar os passos no trapézio oscilante da vida.
Moramos numa casa feita de azulejos por fora e de amor por dentro, transborda-nos comida no prato e estamos rodeados de pessoas que são a nossa base e telhado quando os vórtices da vida sopram mais forte. Mas haverá sempre contas para pagar, o vizinho chato, o trabalho que nos esgota e a vida assim assim.
O que não nos falta são amigos para deambular na calçada, soltar umas gargalhadas, dançar à chuva e beber a vida de penalty. O que não nos falta são pessoas para colecionar momentos, eternizar instantes e ludibriar a finitude do amontoado de células que somos. O que não nos falta é vida lá fora à nossa espera. Mas lá fora está frio e a vida anda demasiado complicada para agora ainda apanharmos mais uma valente constipação. Pelo sim pelo não, o melhor é ficar por casa, enroscados no cobertor quentinho do conformismo à espera que o Tempo chegue.
E a vida passa, o tempo passa e nunca mais chega o (nosso) Tempo.
E surge o dia em que mudámos de emprego, reencontrámos o amor, o vizinho chato até sorriu e o carteiro carrancudo foi simpático pela primeira vez. Mas o Benfica perdeu. Ninguém sabe como é que a vida volta a fazer sentido depois de o Benfica perder.
E a vida passa, o tempo passa e chega finalmente o Tempo. O Tempo em que tropeçamos nos “afinais” que gostávamos de ter sabido mais cedo.
Afinal temos o tempo de um cigarro e não há tempo para esperar pelo Tempo.
Afinal podemos escolher. Podemos escolher mais música ou mais poesia, mais café ou mais limonada, mais amor ou mais hormonas, mais muros ou mais pontes. Afinal podemos escolher entre viver mais e constiparmo-nos menos. Podemos escolher entre viver e ir andando.
Afinal esquecemo-nos que os sete ventos não sopram a favor de quem não sabe para onde ir, que a vida não se faz colo para quem não o quer receber, que o dono do Tempo somos nós.
Afinal perdemos a vida a tentar ganhá-la se não escolhermos ganhá-la antes de a perder.
Afinal o Tempo é agora.


Daniela Sousa

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